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9 de Abril de 2021

A “Felicidade” no Trabalho: Vale a pena? – Game Changer 12

“Estás feliz?” perguntei recentemente a um amigo que começou um novo trabalho.

“Feliz… Feliz, é uma grande palavra”, respondeu. Fixando o vazio com um ar compenetrado acrescentou “Não sei se é possível alguém ser verdadeiramente feliz no trabalho”.

Esta observação à primeira vista pessimista do meu amigo suscita várias interrogações: O que é a felicidade? Como se define? Quem a define? Como se alcança? E a felicidade no trabalho, o que quer dizer? O que implica? Podemos falar de felicidade no trabalho sem falar de felicidade nos outros campos da vida humana? Qual é o nosso papel enquanto trabalhadores? Qual é o papel dos empregadores e das empresas?

É curioso como passamos a grande maioria do nosso tempo a pensar na resolução de uma série de problemas práticos, mas raramente paramos para pensar ‘nas grandes questões’. Isto acontece não só nas nossas vidas humanas individuais, mas também nas empresas. Quantas empresas têm uma pessoa responsável por parar para pensar – um Chief Thinking Officer?

O que é, então, a felicidade? Este tema complexo é debatido desde os tempos ancestrais e pode ser abordado de inúmeros pontos de vista. Não se pretende aqui chegar a uma resposta concreta, mas para evitar causar aos leitores aquela contração no estômago que ocorre quando sentimos que nos querem vender a ‘banha da cobra’, é importante esclarecer desde já que felicidade em qualquer campo da vida humana não pode significar um estado constante de plenitude. Não pode porque não tem como – porque não é essa a realidade da natureza humana. É importante esta ressalva porque sem ela corremos o risco de falar em felicidade de forma frustrante e contraproducente.

A este respeito, alguns se lembram de culpar os filmes Walt Disney e outros storytellers por terem criado em muitos de nós, na nossa infância, a expectativa de que seria possível sermos ‘felizes para sempre’. Mas, a bem ver, a felicidade ad eternum dos personagens nunca é o objeto dos próprios filmes. A eterna felicidade do Simba, da Cinderela ou do Aladino é uma ideia à partida encantadora, só que na prática levaria a Walt Disney à falência porque não interessaria a ninguém – não é aí que sentimos uma conexão com estes personagens; é antes nas dificuldades e nos obstáculos que eles têm que superar no seu caminho, vendo-se muitas vezes desamparados, perdendo às vezes qualquer resquício de esperança. É, pois, com os traços típicos da vulnerabilidade humana destes bonecos animados que nos identificamos e se os adoramos não é porque acabam felizes para sempre, é porque, apesar do medo e por vezes do desespero, procuram ultrapassar os seus desafios com vista a um bem maior. E esta coragem também é humana.

No que toca à felicidade em geral, e no trabalho em particular, é extremamente interessante o conceito filosófico de ‘Eudaimonia’ principalmente desenvolvido pelos filósofos gregos Platão e Aristóteles. Nas grandes linhas e para o que aqui importa, o conceito postula que o bem maior da vida humana não é o alcance de um estado emocional de felicidade, mas é o processo de florescimento, através de um caminho ativo de desenvolvimento e de realização do potencial e dos talentos de cada um. Este conceito é mais profundo, rico e interessante do que o de ‘felicidade’ na medida em que admite que até a dor e o sofrimento podem contribuir para o florescimento, se tiverem em vista esse bem maior – e esta nuance faz toda a diferença.

Quanto a esta questão do desenvolvimento do nosso potencial e dos nossos talentos, refira-se também o conceito de ‘Flow’ elaborado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, segundo o qual os desafios que têm um grau óptimo de dificuldade permitem a melhor exploração do nosso potencial.

A dificuldade faz, pois, parte do caminho para a realização e a satisfação – aliás, é esse mesmo o significado da expressão ‘vale a pena’. Não há como não recordar aqui as belíssimas palavras de Fernando Pessoa no seu poema ‘Mar Português’, em ‘Mensagem’:

“Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Aceitando que o caminho para a realização contém sempre dificuldades, cabe-nos assumir a responsabilidade de as ultrapassar. Como tomar o nosso processo de florescimento no campo profissional nas próprias mãos? Destacam-se três aspetos:

1 – O dever de autoconhecimento

O conceito de trabalho evoluiu muito ao longo da história da humanidade. A procura por todos nós de significado e realização no campo profissional é um fenómeno relativamente recente. Durante muitos anos, o trabalho foi, para a vasta maioria dos seres humanos, principalmente um instrumento de sobrevivência. Hoje, ocupando o nosso trabalho uma grande parte das nossas vidas e sendo possível ‘dar-nos ao luxo’ de procurar um que nos preencha, fazê-lo torna-se uma prioridade. O caminho é, para a grande maioria de nós, repleto de dúvidas. Mas não podemos esperar que as respostas nos caiam do céu, temos um papel ativo a desempenhar. A viagem de autoanálise e autoconhecimento necessária para perceber quais são os nossos dons e talentos, como os podemos explorar, por onde queremos verdadeiramente ir, que habilidades precisamos desenvolver e como nos podemos transformar e expandir em direção àquilo que mais nos realiza requer vontade, determinação, esforço, tempo e dedicação – e só pode partir de nós. Numa era em que a tecnologia vem abanar o mundo do trabalho, torna-se ainda mais importante este autoconhecimento, de modo a estarmos capazes de reinventar e adaptar o nosso potencial sempre que for necessário.

2 – A coragem de comunicar

Não basta saber quem somos e o que queremos. É igualmente necessário desenvolver a capacidade e a coragem de comunicar, no local de trabalho, o que precisamos, o que queremos e os nossos limites. O medo muito humano de nos expormos perante os outros ou de frustrar as expetativas da chefia ou dos colegas não nos pode bloquear no nosso caminho para a realização – não nos serve nem a nós, nem aos outros. Coragem não significa agir sem medo, significa agir apesar do medo. Muitas vezes achamos que não, mas existe do outro lado abertura para acomodar, de uma forma ou de outra, as nossas necessidades e os nossos sonhos. No entanto, para essa negociação poder ver a luz do dia, é, pois, imprescindível sermos capazes de comunicar.

3- A multidimensionalidade da nossa realização

De acordo com as vozes mais prominentes da psicologia positiva, de entre as quais a do Prof. Tal Ben Shahar, Harvard PhD, a nossa realização enquanto seres humanos não é, em bom rigor, compartimentável: existem várias dimensões importantes, todas elas carecendo de cuidado para se conseguir atingir uma verdadeira realização, no sentido de uma realização plena (wholebeing). Essas dimensões são em regra reconduzíveis a cinco pilares principais, que, embora distintos, funcionam de forma interligada, influenciando-se uns aos outros: o espiritual, o físico, o intelectual, o relacional e o emocional. Se queremos alcançar uma realização plena, não podemos focar-nos apenas nuns destes pilares, descurando os outros – à noção de realização plena subjaz, pois, uma noção de um certo equilíbrio entre as várias dimensões que contribuem à realização do ser humano. Assim, quando falamos em ‘felicidade’ no trabalho, temos que ter em conta todas estas dimensões que nos cabe desenvolver, e o facto de elas serem transversais aos vários campos da nossa vida, não sendo cindíveis apenas à esfera profissional.

Qual é, então, o papel das empresas na ‘felicidade’ dos seus trabalhadores? São vários os estudos levados a cabo por instituições renomadas que demonstram que os trabalhadores satisfeitos com a sua vida profissional são significativamente (em regra entre 13 a 20%) mais produtivos do que os insatisfeitos. É muito simples: as empresas são feitas de seres humanos, logo se os seres humanos florescem, as empresas (a sociedade, e o mundo) florescem. Como podem as empresas favorecer a realização dos seus trabalhadores? Destacam-se três formas:

1 – Criar significado e impacto

Os seres humanos anseiam por encontrar significado naquilo que fazem. O nosso trabalho tem significado sempre que serve, de uma forma ou de outra, outros seres humanos. Cabe, por isso, às empresas, qualquer que seja o setor ou o mercado em que operam, não só desenvolver um propósito forte que orgulhe os seus trabalhadores, mas também estabelecer formas de os trabalhadores conseguirem percecionar o impacto da empresa – e do seu contributo individual como uma peça importante do puzzle – no mundo que a rodeia.

2 – Criar oportunidades de desenvolvimento e crescimento

Para poder existir um verdadeiro processo de florescimento dos trabalhadores numa empresa, é preciso que existam oportunidades de desenvolvimento contínuo dos seus talentos e do seu potencial. Não quer isto dizer que as empresas devam pensar pelos trabalhadores: cabe a estes manifestarem a sua vontade de evolução e definirem a direção do seu desenvolvimento e crescimento, mas cabe às empresas criarem as condições para que esse desenvolvimento seja possível. Ajudar os outros a irem mais longe dentro da empresa é ajudar a empresa a ir mais longe.

3- Criar uma cultura de empresa e de equipa com segurança psicológica

Um dos estudos mais importantes sobre o desempenho de equipas foi levado a cabo pela Google (Project Aristotle) e concluiu que o fator que mais contribui para a criação de equipas de alto desempenho e sucesso – isto é, equipas que florescem – é a segurança psicológica (psychological safety). O que é a segurança psicológica? É um ambiente coletivo emocionalmente inteligente de permissão, respeito e confiança, em que os membros não sentem medo de contribuir de forma autêntica. É a segurança que sentimos no seio de uma equipa em podermos expressar as nossas opiniões, dar as nossas ideias, fazer todas as perguntas que achamos relevantes sem medo de sermos conotados negativamente ou castigados de alguma forma. É um ambiente positivo em que a tomada de risco é celebrada e o erro tornado numa aprendizagem. O resultado é interesse, motivação, pertença, solidariedade, aprendizagem e inovação.

Uma sociedade mais consciente, com trabalhadores mais satisfeitos e empresas a florescer – vale a pena!


Benedita Sampaio Nunes
Chief Content Officer, WIN World, SA | Co-curator Happy Conference
beneditasn@winworld.pt

 

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