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15 de Janeiro de 2021

Game Changer 11 – Entrevista com Miguel Araújo

 

Nascido em 1978, cedo mostrou gosto pela música muito por influência familiar, já que os seus tios tinham uma banda de covers. Mais tarde, faz parte da banda Yellow Lello e dos Tsé Tsé. Em 2002, forma-se o grupo que lhe viria a dar maior notoriedade, Os Azeitonas do qual passa a ser integrante sob o pseudónimo de Miguel AJ.

Sempre desenvolvendo vários projetos na área da música, é em Maio de 2012 que lança o seu primeiro álbum a solo, “Cinco dias e meio”. O segundo álbum surge dois anos depois, “Crónicas da Cidade Grande”, obtendo entrada direta para o para o top 3 nacional.

Compõe vários temas para artistas conhecidos, onde se destaca o tema “Pica do 7” vencedor do Globo de Ouro de Melhor Música de 2015.

Posteriormente, em finais de 2016, a banda Os Azeitonas anuncia através das suas redes sociais que Miguel Araújo decidiu deixar a banda para se dedicar inteiramente à sua carreira a solo. “Giesta” torna-se no seu terceiro álbum de originais em 2017, e no ano seguinte lança um livro de crónicas denominado “Pernas de Pato”.

Com uma carreira de sucesso ligada ao mundo da música, Miguel Araújo admite a forte ligação mas recorda que tudo poderia ter sido bem diferente…

 

A música sempre fez parte da sua vida. A carreira musical foi sempre uma opção, ou em pequeno tinha outros planos?

MA- A música sempre fez parte da minha vida. Aos 3 e 4 anos, quando ouvia as músicas “Playback” do Carlos Paião e “Ebony and Ivory” sentia que recebia choques elétricos. A minha música e a minha vida entrelaçam-se numa coisa só, não são separadas ou separáveis. Quando dei por mim, já tinha isso a que se chama “carreira”, mas nunca fiz planos nesse sentido, muito menos nas idades em que se fazem planos para o futuro.

É verdade que depois de tirar do curso de gestão, a banca/empresas era o seu destino preferencial?

MA- Tirei esse curso, sim. Mas não é verdade que tivesse alguma área de eleição em vista, na altura fazia-se o currículo e ia-se para onde nos quisessem. Os meus amigos foram para empresas de telecomunicações, consultoras, etc.
Eu nunca cheguei a fazer curriculum, decidi que ia fazer um ano sabático, como os americanos nos filmes, um ano de papo para o ar. A tocar viola, mas no meu caso literalmente. E a música requisitou-me em regime de exclusividade desde então, já lá vão 19 anos.

O “acidente” de ter músicos na família que o influenciaram foi decisivo. E se não tivesse, estaria a trabalhar num banco?

MA- Foi decisivo sem dúvida, mas num banco, duvido. Talvez nalguma área onde a criatividade se faça notar mais.

Quão importante é o curso que tirou para a gestão da sua carreira?

MA- Já fui algumas vezes à Católica do Porto falar sobre isso e sinceramente já foi há tanto tempo que hoje em dia não é fácil responder a isso, mas lembro-me que desde que entrei para a pré-primária até que acabei o curso em 2001, nunca nenhum professor me perguntou se eu gostava de música. A música, em todo o meu percurso escolar, foi vista como um hobby desviante, uma perda de tempo.

Há alguma formação que gostaria de fazer além de ser songwriter? Por exemplo, dançar, como exemplifica no seu novo single?

MA- Dançar não é mesmo a minha especialidade, a música não tem esse efeito em mim. A música nunca teve em mim esse efeito físico, de mexer o corpo, esse efeito visível e imediato, comigo não funciona assim. Mas gostaria de saber mais de vídeo, por exemplo, abrir um software de design e saber mexer naquilo. Um dia meto-me a aprender essas coisas. Música não, aprendi sozinho e estudei muito, muitas horas sozinho, não quero ir mexer nos alicerces de tantos anos de estudo auto-didata.

O que vem primeiro, a letra ou a música?

MA- Quase sempre a música. Muito raramente, ambas em simultâneo.

O que é que lhe dá mais gozo, escrever canções, cantá-las, ou ouvir outras interpretações?

MA- Hoje em dia, gosto de tudo. Até há poucos anos atrás não gostava de cantar, foi preciso estar um ano (2015) com problemas graves de voz, com duas operações ao nariz e muitos químicos, para dar valor. Agora já ninguém me apanha a dizer que não gosto de cantar, ter voltado a ter voz foi uma bênção na minha vida, mas julgo que o que mais me distingue é a escrita de canções. Poderia escrever canções sem as cantar, mas não seria cantor se não fosse autor, disso não tenho dúvidas.

Que impacto teve em si o êxito alcançado nos Coliseus em conjunto com o António Zambujo? Existe um Miguel AC e DC (Antes dos Coliseuse Depois dos Coliseus)?

MA- Sim, muito claramente. Foi o que me fez ganhar à vontade nos palcos, o Zambujo emite uma energia muito zen, muito calma e tranquila. Além disso, foram muitos concertos, a certa altura aquilo era um emprego diário. Essa repetição fez-me começar a tocar e cantar, pela primeira vez na vida e ao fim de muitos anos, com o mesmo à-vontade com que tocava sozinho em casa no meu sofá sem ninguém a olhar. Eu vivia com muita pena de não conseguir tocar tão bem no palco quanto tocava no meu sofá, foi graças a essa temporada que me tornei muito melhor em palco, além de tudo de bom que essa temporada mágica me trouxe.

Nestes últimos 10 anos, como considera que tem evoluído a música interpretada na língua portuguesa?

MA- Eu sou muito fã, realmente muito admirador de muitos colegas meus da minha geração, para além dos consagrados, claro. Mas dos meus colegas de geração, admiro e invejo os talentos do Jorge Cruz, do Samuel Úria, do João Só, do Pedro Silva Martins, do Nuno Figueiredo, da Luísa Sobral, da Márcia, só para mencionar alguns autores dos últimos 10 anos. Mais recentemente apareceu o Nacarato, o Janeiro, a Helena Kendall, a Via, a Bárbara Tinoco, toda uma nova leva. Acho todos autores admiráveis na nossa língua e estou-me a esquecer de muitos nomes.

É mais ou menos consensual que nesta década o Miguel foi um game changer na música em Portugal, concorda?

MA- Não me sinto um game changer. Talvez um game keeper, a minha música não é assim tão iconoclasta como isso. Mas serei um dos que mais se notabilizou na área da escrita de canções, nesta fase em que parece que se assistiu a um regresso da língua portuguesa ao universo da música popular. Muitas músicas da minha autoria tornaram-se bastante conhecidas, destaco a importância histórica da rádio comercial no renovado interesse do grande público por música cantada em português, nesta década que agora finda. Foi um risco, mas sem dúvida nenhuma uma aposta intencional. As coisas não teriam sido assim, nem para mim, nem para tantos outros, se não fosse essa “teima”.

Ao longo do seu percurso é provável que se tenha deparado com alguns obstáculos e desafios. O que o fez para os ultrapassar e de que forma seguiu em frente?

MA- É preciso aprender a dizer que não, recusar convites. Uma pessoa tem que se defender. Uso as redes sociais pacificamente, fujo de tudo quanto me possa tornar numa figura pública (sou da era do sucesso sem fama e prezo muito essa nova realidade), tiro férias, paro durante períodos suficientemente longos. O pior de tudo foi ter abusado ali em 2015, 2016, a minha saúde foi um bocado abaixo. Agora defendo-me, são mais as coisas que eu recuso do que aquelas que eu aceito.

O que vai mudar na indústria musical? E no Miguel Araujo?

MA- A indústria musical sempre viveu de uma coisa que não muda na sua essência: música. Eu dedico-me à música, não à indústria musical. Já nem sequer faço parte dela, sou detentor dos direitos de toda a música que crio, produzo e edito desde 2018. Saí dessa engrenagem, mas por acaso gosto das coisas a mudarem, novas perspetivas, oportunidades que se abrem, olho com muito entusiasmo e interesse para as mudanças que vão ocorrendo e nunca, mas nunca mesmo, lamento as formas velhas que cedem o lugar às novas. “Ai, no tempo de CD é que era”, “Ai que as redes sociais são o demónio”, são coisas que nunca ninguém me apanhará a dizer.

Como vê esta transformação digital? Ela é boa, ou má?

MA- Toda a mudança é boa, tem sido essa a história da nossa civilização. Com avanços e recuos, a vida melhora sempre, a história tem sido providencial e inequívoca nesse aspecto. Não parece que seja assim, mas é, basta ler por exemplo o livro “Factfullness” para rapidamente fazermos cheque-mate a toda e qualquer perceção errada que possamos ter. A transformação digital é, aos meus olhos otimistas, indiscutivelmente positiva. Diagnóstico definitivo.

Como tirar melhor partido desta revolução digital? O que está a fazer para isso?

MA- A primeira coisa é um autor garantir total independência e propriedade dos seus direitos autorais. A defesa da propriedade intelectual é a coisa mais importante neste período que vivemos. Tenho feito exactamente isso: tentar garantir como meus os direitos das músicas que criei, produzi, paguei, etc.

O que ainda não fez e quer fazer?

MA- Nunca faço essas negociações comigo mesmo. Trabalho todos os dias na minha música, daí virá o que tiver que vir.

Onde vai estar o Miguel Araújo em 2030? O que prevê acontecer à sua carreira e à musica em geral?

MA- Não faço ideia. Mas julgo que não andarei na estrada tão ativamente como agora. Isso cansa, realmente. Mas por mim, se a música me quiser ainda, cá estarei.

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