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16 de Abril de 2020

Mindfulness – Entrevista com Vasco Gaspar

Na primeira edição da revista Game Changer, entrevistámos Vasco Gaspar sobre o Mindfulness, e hoje recuperamos esse artigo, dada a sua importância para o momento actual.

Fala-se tanto de Mindfulness atualmente, afinal o que é, e que benefícios traz?

Mindfulness em si, como o gosto de ver, é uma capacidade que todos nós já temos, de estarmos presentes, atentos e recetivos à nossa experiência interior (corpo, emoções, pensamentos) e exterior (relação com o mundo e com as outras pessoas). Essa capacidade pode ser cultivada de muitas formas (ex. yoga, tai-chi, qi gong, preces centradas, etc.), sendo a principal e mais falada atualmente a prática da meditação (que neste contexto não significa mais do que treino mental), especificamente a meditação mindfulness (nota: existem centenas de tipos de meditações, e mesmo dentro do mundo do mindfulness existem diversos protocolos, como o MBSR – Mindfulness Based Stress Reduction, o Search Inside Yourself, entre outros).

Sobre os benefícios, existem literalmente milhares de artigos científicos com revisão de pares a mostrar o impacto da meditação mindfulness a  vários níveis. Os mais falados e estudados cientificamente estão relacionados com a área da saúde e com a gestão de estados de sofrimento elevados (ex. ansiedade, depressão, dor crónica, etc.).

No entanto cada vez mais estudos apontam evidências de como o mindfulness contribui também no mundo organizacional não só a nível do indivíduo (ex. maior inteligência emocional, capacidade de concentração, capacidade de liderança, clareza mental, gestão do stress, bem-estar, criatividade e produtividade), mas também a nível das equipas (ex. melhor capacidade de comunicação, resolução de conflitos, etc.) e a nível organizacional (ex. redução do turnover, maior produtividade, menor absentismo, etc.).

mindfulness vasco gaspar entrevista

 

É apenas uma tendência ou está para ficar?

Essa é daquelas perguntas que só o tempo poderá dar resposta. Creio que o mindfulness faz parte de uma revolução que se está a passar a nível da saúde pública mundial. Ou seja, de um paradigma emergente de que é tão importante cultivar e tratar da mente como é cultivar e tratar do corpo, e aqui não é só o mindfulness que entra, mas também o yoga, o desporto, a qualidade do sono, a alimentação, o que consumimos nos media, etc. É por aí que creio que caminharemos.

 

Como é que respirar melhor nos pode ajudar a enviar melhores emails?

Mindfulness nada tem a ver com respirar melhor, sendo esse um mito comum. A respiração é apenas um dos “objetos” que são usados para focar e treinar a mente mas o objetivo não é manipular a respiração ou respirar melhor. É simplesmente focar a atenção na respiração (ou noutro “objeto”, como as sensações do corpo ou os pensamentos) e permitir que a nossa atenção repouse aí. Ao fim de pouco tempo a mente vai-se distrair e pensar em algo, o que é perfeitamente normal, e é aí que o “core” da prática reside: notar que nos distraímos e voltarmos a colocar a atenção na respiração (ou noutro objecto).

Com a prática repetida, como quem vai ao ginásio, ficamos mais conscientes dos nossos processos mentais, com uma mente mais clara e mais focada, o que nos vai permitir não só enviar melhores emails, mas também desempenhar melhor todas as outras atividades que envolvem a nossa mente (o que se resumem basicamente a… tudo).

 

Porque investem empresas como a Google em programas de Mindfulness?

Num mundo cada dia mais rápido, complexo e volátil a pressão está cada vez maior, o que faz com que seja cada dia seja mais difícil ter uma mente clara, presente e tranquila. Isso afeta a capacidade de pensar, tomar decisões, liderar, ser, fazendo com que a procura por práticas como o mindfulness surjam. Essa necessidade associada ao suporte de várias áreas do saber (ex. neurociência, psicologia, medicina, management, entre outras) e impulsionada pelos media (ex. Time Magazine, Huffingon Post, Harvard Business Review, The Economist, etc.) faz com que a prática de mindfulness esteja cada vez a chegar a mais pessoas e mesmo aos sítios mais improváveis.

Este ano por exemplo, à semelhança do anterior, todos os dias do Fórum Económico Mundial de DAVOS começaram com uma sessão de 30 minutos de mindfulness, algo que seria impensável há 4 ou 5 anos atrás. É apenas um sinal de que até as pessoas mais poderosas e bem pagas do mundo têm percebido os benefícios de investir tempo a cuidar da coisa mais preciosa que temos e que nos serve de base a praticamente tudo – a nossa mente.

 

Que impactos a implementação de um programa de Mindfulness pode trazer para uma organização ou empresa?

Os impactos são imensos mas também há que ver que o mindfulness não é nenhuma “bala de prata” que vai resolver todos os problemas. Não faz sentido treinar as pessoas para estarem mais focadas, por exemplo, e depois aumentar o volume de trabalho. Esse não é o propósito. Na raiz destas práticas está (ou deve estar) uma forte componente ética, sendo que estas práticas devem servir, a meu ver, principalmente um bem maior, de contribuir para que as pessoas que as praticam se tornem melhores pessoas, mais ligadas aos seus valores, mais respeitosas de quem as rodeia, incluindo o meio-ambiente.

A maior consciência que vem com estas práticas deve permitir melhores resultados que sirvam a todos, não apenas aos próprios ou aos acionistas.  Quem pensar o contrário não só está redondamente equivocado como acredito que terá uma “bomba” que lhe vai explodir a prazo nas mãos, pois pessoas mais conscientes também conseguem mais facilmente perceber que estão no sítio errado e mudar de organização, caso sintam, por exemplo, que o que move a entrada destas práticas na organização se prende apenas com mais ganância do que com uma real preocupação com o bem-estar dos colaboradores.

 

Onde tem vindo a trabalhar e que tipos de programas implementa?

Tenho vindo a trabalhar com organizações em Portugal, Alemanha, Espanha e Estados Unidos da América. No meu caso desenvolvo 3 tipos de abordagens: programas de clarificação do tema (curta duração – ex. palestras, workshops de introdução); programas intensivos (ex. workshops de dois dias presenciais seguidos de 4 a 8 semanas online) e programas de longo prazo (sessões presenciais de 1h30 ao longo de 9 semanas).

Dentro dessas abordagens tenho também à disposição dois protocolos de base diferentes: o ZBHD, programa desenvolvido em 2013 e atualmente já realizado por perto de 2.000 pessoas a nível mundial; e o Search Inside Yourself, programa de liderança e inteligência emocional baseado em mindfulness e neurociência que foi desenhado e desenvolvido na Google, sendo que tenho a felicidade e sorte de ser dos poucos professores certificados a nível mundial para o entregar fora da Google.

 

A tecnologia pode estar ao serviço do Mindfulness, ou são paradoxais? 

A meditação mindfulness em si própria é uma tecnologia social que nos permite estar mais conscientes e presentes. Sobre outras tecnologias (ex. email, telemóvel, redes sociais, etc.) de facto elas poderão ser um fator de distração, mas uma mente que esteja centrada consegue facilmente utilizar essas maravilhas tecnológicas sem se deixar perder ou assoberbar por elas.

Basicamente consegue usá-las em vez de ser usado por elas. Talvez por essa razão muito do movimento mindfulness a nível das organizações tenha surgido nas próprias empresas que muitas vezes apontamos como responsáveis por estes avanços tecnológicos, como a Google, o Facebook, o LinkedIn, entre outras. Elas perceberam rapidamente que se as mentes das suas pessoas não estivessem centradas seria muito fácil que se perdessem e fossem “engolidas” pelas tecnologias que elas próprias criavam.

E, claro, não esquecer que hoje também já temos centenas de apps que podemos usar como suporte à prática da própria meditação mindfulness, como é o caso da HeadSpace ou da Insight Timer, sendo este é um bom exemplo da tecnologia “material” de mãos dadas com a tecnologia “social”.

 

Numa época cada vez mais digital e tecnológica recomenda a utilização de alguma aplicação de Mindfulness?

Diria que o melhor mesmo é a pessoa primeiro fazer um curso presencial com um professor certificado no tema e que lhe possa dar umas bases sólidas. Depois dessa fundação sólida as aplicações poderão servir e ser úteis à prática diária.  Não quer dizer com isto que uma pessoa não possa começar a praticar com uma aplicação ou um curso online (no meu caso tenho um que ofereço, por exemplo, http://bit.ly/programazbhd) mas a certa altura será sempre aconselhável fazer um curso presencial ou um retiro, de forma a ter umas boas fundações na sua prática.

 

Que dicas nos deixa para começar a praticar o Mindfulness no dia a dia?

Não creio que haja uma “fórmula” que sirva a toda a gente para lá chegar. Diria que é uma escolha acima de tudo pessoal e voluntária (cada um tem que escolher praticar), de nos querermos conhecer melhor e cultivar uma mente mais clara, mais presente e mais humana. De tratarmos da mente como tratamos do corpo. Se lavo todos os dias os dentes e tomo banho, porque não devo ter o mesmo tipo de práticas de “higiene” para com a minha mente?

Deixo, ainda assim, alguns possíveis passos. O primeiro será o de um questionar honesto sobre o porquê de querer praticar, sendo que se a resposta for porque está na moda diria que vale mais nem começar. Se a intenção for de facto um crescimento pessoal, para nos tornarmos melhores pessoas e melhores profissionais, diria que tudo o resto se resume a três outros simples passos: praticar, praticar, praticar. Tudo vem da prática. De nos sentarmos todos os dias e de cultivarmos a nossa mente com dedicação, paciência e carinho.

Muitas pessoas acham “piada” à ideia do mindfulness mas não tanto à ideia da prática em si, pois se ela for realmente bem feita confronta-nos com partes de nós que nem sempre queremos ver. E há dias que é difícil. E há alturas que não apetece. Mas é na prática diária, faça chuva ou faça sol, que com o tempo começamos a ver os resultados. Sugiro a todos que pratiquem de forma honesta pelo menos durante 8 semanas diariamente para poderem fazer um juízo com conhecimento de causa. Se no final for útil, basta continuar. Se não for, é porque a prática não era para eles (e isso também está bem).

VASCO GASPAR
Human Flourishing Facilitator e autor do livro “Aqui e Agora: Mindfulness”